sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Leitura em Dupla: Parte II

Essa postagem faz parte do Leitura em Dupla, em parceira com o Leia-me Já!. Confira a parte I aqui

Segunda seção de discussão de Tubarão de Peter Benchley. Capítulos 5 a 8.

Tópicos discutidos nesse post:
- Visão otimista do tubarão
- O tubarão desaparece
- Cidade turística e Ellen.

[O CORUJAL NÃO SE RESPONSABILIZA PELOS SPOILERS AQUI POSTADOS!]

VISÃO OTIMISTA DO TUBARÃO

LEIA-ME JÁ!: O que você achou da forma científica que retrataram o tubarão, agora que há um especialista na história?
O CORUJAL: É impossível não perceber o contraste que há nessa altura da trama. De um lado temos os personagens que repudiam o tubarão e do outro o cientista Hooper, que deixa claro sua paixão em alguns trechos.
LEIA-ME JÁ!: Funciona como um contraponto, pois ele tira a carga negativa que os outros personagens colocam no tubarão. É bem isso que você disse, Hooper fala que estuda os tubarões por paixão, mas fico imaginando como serão as coisas daqui pra frente. Acho que o próprio cientista será responsável pela caça ao tubarão, mesmo ele dizendo que gosta. Marquei uma passagem interessante sobre isso:

Os tubarões têm tudo que os cientistas sonham. São bonitos – Deus, como são bonitos! São como uma máquina perfeita. São elegantes como qualquer pássaro. São tão misteriosos como qualquer animal na Terra. Ninguém sabe ao certo quanto tempo vivem ou quais impulsos – exceto a fome – respondem. Existem mais de duzentas e cinquenta espécies de tubarão, e cada uma é diferente da outra. Cientistas passam suas vidas tentando encontrar respostas sobre os tubarões, e assim que encontram uma boa teoria, algo a derruba. As pessoas têm tentado encontrar um repelente eficiente contra tubarões por mais de dois mil anos, mas nunca encontraram algum que funcionasse. Desculpe, não queria fazer uma palestra, como você viu, sou viciado. (página 114)

O CORUJAL: Acho que o autor demonstra sua paixão pelos tubarões através deste personagem. É legal observar também, que já há um contraponto dentro da própria opinião dele, pois quando Ellen diz que ela vê os tubarões como animais horríveis, Hooper não prossegue com a discussão. Acima de sua paixão, o personagem tem um senso, e isso o torna mais real.
LEIA-ME JÁ!: Realmente, ele sabe que é uma discussão perdida. Sabe que as pessoas não serão convencidas e que não há argumento, por isso não insiste. Acho que essa parte do personagem reflete bem a paixão do autor, como ele disse na introdução.
O CORUJAL: Sim, isso é bem claro! Consigo perceber explicitamente a opinião do autor através desse personagem.

CADÊ O TUBARÃO?

 O CORUJAL: Confesso que não entendi absolutamente nada da intenção do autor nesse ponto. Nas primeiras páginas já discutidas, há todo um preparo, uma estrutura em torno do tubarão. A trama girava em volta dele, mas nas seguintes páginas, o tubarão some completamente.
LEIA-ME JÁ!: Eu percebi que o livro é dividido em três partes. Essa divisão me lembrou peças de teatro, que geralmente, são divididas em três atos: o primeiro apresenta o enredo geral e os personagens, o segundo apresenta o dilema (aqui entra Brody, a esposa e as questões da cidade turística) e o terceiro o desfecho. Acho que o autor usou essa mesma estrutura; no começo temos Brody e a questão das praias, e agora Brody e suas questões pessoais, fora de seu ofício. Quando acabei nossa proposta de leitura, me intriguei a respeito de algo e voltei ao começo do livro para reler algumas passagens sobre a Ellen, e descobri que ela e Brody sempre foram o foco. O tubarão desencadeia a trama, mas ele nunca foi a trama em si: ele faz com que as questões políticas da cidade sejam descobertas, faz com que os problemas conjugais de Brody e Ellen se agravem...
O CORUJAL: Agora que você citou faz todo o sentido, e acho que foi por isso que estranhei o desaparecimento do tubarão. Quando comecei a leitura, esperava que o tubarão fosse o foco, mas se o autor tivesse tomado esse caminho, a história ficaria chula e pobre. Os subenredos, que vieram à tona nessa segunda leitura, deixaram a história mais viva e rica. Acho que entendi errado no começo.
LEIA-ME JÁ!: Acho que no início, o tubarão é sim o foco, mas ele deixa de ser a partir da terceira morte. Nas duas primeiras mortes, o ataque é descrito com muitos detalhes, mas na terceira em diante, ficamos sabendo apenas por uma terceira pessoa. Ou seja, o autor para de contar a perspectiva do tubarão, e ele deixa de ser o foco. Benchley não quer retratar apenas os ataques, mas sim contar a história daquelas pessoas. Achei muito inteligente a forma como ele constrói os personagens, e particularmente, nem percebi a falta do tubarão.
O CORUJAL: Sim, ele coloca o tubarão de lado, mas ainda assim consegue movimentar a história. É interessante como ele faz essa mecânica funcionar. Ele consegue fazer uma transição de perspectiva sem perder o foco, e isso é muito difícil!
LEIA-ME JÁ!: Verdade, é muito sutil! Só percebi quando reli o começo. Achei legal porque, nessas páginas lidas, não há ataques do tubarão, mas ele tá sempre lá. Sempre alguém está falando dele.
O CORUJAL: Sim, mesmo que não explicitamente, o tubarão está sempre presente nas entrelinhas. As personagens comentam sobre ele, e Ellen só conhece o cientista por causa dele. Parando para pensar, Peter Benchley é de uma sutileza sem igual! Mal consigo perceber como ele muda de cena.

CIDADE TURÍSTICA E ELLEN

LEIA-ME JÁ!: Me senti estúpido em não prever a traição da Ellen. Fica tão evidente desde o começo, que foi ingenuidade minha não ter percebido (risos). E nessa questão do autor, ele me lembra o Stephen King, que faz terror mas não fica o tempo todo dando atenção ao “monstro”. Como Peter, Stephen desenvolve as personagens intercalando com o terror. Isso torna a leitura suave.
O CORUJAL: Eu consegui imaginar essa traição, pois mesmo na nossa primeira discussão, comentamos como Ellen se sente desolada na posição em que ela se encontra. Ela deixa claro que a vida que Ellen leva com Brody em uma cidade turística, não é a que ela deseja. Quando o cientista chega, ele traz consigo o passado dela, então eu soube que algo do tipo aconteceria. E sobre os autores, eu também concordo, eles vão muito além do assunto principal, e conseguem desenvolver o que está “ao redor” junto com a trama em si. O único problema de King é que ele se demora muito, né? (risos).
LEIA-ME JÁ!: Verdade, Stephen extrapola! O legal do Peter é que não senti esse exagero, ele tá interessado em contar a história dessas pessoas e eu estou gostando bastante de como ele faz isso. Acho que torna a história mais completa. E sobre a Ellen? O que você acha? Por incrível que pareça, eu não consigo odiá-la, eu acho que ela retrata muito bem as pessoas que estão insatisfeitas com a vida. Claro que eu repudio o que ela fez, mas não a odeio, pois ela parece ser uma pessoa real. Já o cientista não me agradou! É como se eu gostasse do profissional que ele é, mas detestasse ele como pessoa.
O CORUJAL: Tratando-se de personagem, uma coisa que percebi na escrita do autor, é que ele não tem dó de criar personagens baseando-se na vida real. Temos o Brody que, mesmo sendo um policial, não impediu o fechamento das praias quando pôde, e a Ellen que também tem seus defeitos. Por outro lado, o cientista é “perfeito”, e eu detesto personagens desse tipo. Sobre a Ellen: também não a odeio, porque consigo ver nela pessoas reais que se sentem infelizes em viver em cidades turísticas.
LEIA-ME JÁ!: Há alguns trechos que mostram o que as pessoas acham da Ellen, completam a ideia da nossa primeira discussão, que diz que Ellen se sente deslocada, aquele lugar não é o lugar dela, é como se ela não pertencesse àquilo:

Minnie não gostava dela, e estava certa. Minnie se sentia desconfortável com Ellen, porque não conseguia decifrá-la. Ellen não era nem veranista nem moradora local. Não ganhou sua caixa de correio anual, casou-se com ela. (página 110)

LEIA-ME JÁ!: Quando ela vê o cientista e lembra do irmão dele e de seu passado, o autor escreve trechos de uma forma poética muito profunda!

O passado – com um pássaro preso em uma gaiola há muito tempo e solto de repente – voava sobre ela, circulando por sua cabeça, inundando-a com saudades de um tempo bom. (página 116)

O passado sempre parece melhor quando você se lembra dele, mais do que ele realmente foi na época. E o presente nunca parece tão bom quanto parecerá no futuro. É deprimente ficar muito tempo revivendo as velhas alegrias. Você acha que nunca terá algo tão bom novamente.

O CORUJAL: Essa questão que você ressaltou que ela não pertence àquele lugar é bem explícito, né? Inclusive, os próprios personagens percebem isso e passam para os leitores. Confesso que o autor tem me surpreendido bastante, não dava nada para esse livro, mas tem se revelado uma leitura muito boa!
LEIA-ME JÁ!: Também não esperava muito de Tubarão, mas estou gostando bastante. Esse tipo de leitura me lembra um livro que li há muito tempo, As Ruínas, se parece bastante com Tubarão em certos aspectos.
O CORUJAL: Nunca li As Ruínas. Quanto às cidades turísticas, acho que isso tá bem presente na Ellen, já que essa questão gira em torno dela. Ela está bem infeliz, porque querendo ou não, você depende muito das outras pessoas para viver.
LEIA-ME JÁ!: Essa questão da dependência para sobreviver, vai estar mais explícita na terceira parte, já que as pessoas estarão mais amedrontadas com o tubarão, e sem veranistas não há lucro para a cidade. Eu nunca parei para pensar nessa questão das cidades turísticas, mas percebi numa viagem que fiz. Cheguei a comentar com a minha irmã “Essa cidade é linda para visitar, mas morar aqui deve ser horrível!”. Os moradores precisam trabalhar enquanto os turistas se divertem e desfrutam do que a cidade lhes oferece. E como se as pessoas fossem privadas do que a cidade tem para oferecer. Um ajudante do Brody fala algo parecido com “Nossa, eu moro no litoral, mas nunca fui à praia.”


Fique ligado nas postagens futuras do Leitura em Dupla!

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